A era dourada da publicidade irrestrita das casas de apostas pode estar com os dias contados. Um projeto de lei aprovado pelo Senado nesta semana impõe uma série de restrições às propagandas das chamadas bets — plataformas de apostas esportivas de quota fixa que, nos últimos anos, se infiltraram em estádios, transmissões, uniformes e até na linguagem do torcedor.
O texto, de autoria do senador Styvenson Valentim (PSDB-RN), ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados. Ele proíbe o uso de atletas, ex-atletas (exceto após 5 anos da aposentadoria), artistas, comunicadores, influenciadores digitais e autoridades em qualquer ação publicitária envolvendo apostas esportivas. A medida quer estancar a normalização do jogo entre públicos vulneráveis, como crianças e adolescentes, além de conter a glamurização da atividade.
Segundo o relator Carlos Portinho (PL-RJ), a proposta busca proteger o interesse público e garantir uma comunicação mais responsável. O projeto passou pela Comissão de Esporte e foi enviado diretamente ao plenário com pedido de urgência, já que a Comissão de Comunicação e Direito Digital ainda não foi instalada.
O texto é uma resposta direta ao marketing agressivo e onipresente das bets, que passaram a associar apostas a sucesso financeiro, estilo de vida atrativo e ascensão social — uma distorção perigosa, especialmente para jovens e pessoas em situação de vulnerabilidade. Agora, será proibido qualquer conteúdo que apresente o jogo como solução financeira, investimento ou meio de obter status.
Também ficam vetadas animações, mascotes ou qualquer recurso audiovisual voltado ao público infantojuvenil, inclusive se gerado por inteligência artificial. Mensagens não solicitadas via apps, redes sociais ou notificações também serão proibidas.
O projeto estabelece horários restritos para propagandas: no rádio, apenas das 9h às 11h e das 17h às 19h30; na TV e plataformas digitais, entre 19h30 e 0h. Propagandas fora desses períodos — mesmo que impulsionadas em canais oficiais — estão vetadas.
Cotações em tempo real (odds) durante jogos ao vivo também estão proibidas, salvo nos próprios sites ou aplicativos das operadoras licenciadas. E toda peça publicitária deve conter um alerta visível com a frase:
“Apostas causam dependência e prejuízos a você e à sua família”.
Ainda será permitido o patrocínio de eventos esportivos e culturais, desde que a exposição da marca se limite à identificação do patrocinador, sem convite ao jogo ou exibição de bônus e promoções.
As bets também continuarão podendo estampar uniformes de times adultos — o que levanta questionamentos sobre a eficácia das restrições — mas será proibida qualquer referência em uniformes infantis, mesmo em versões vendidas ao público.
Por outro lado, as operadoras poderão se beneficiar de leis de incentivo fiscal para patrocinar eventos culturais e esportivos, o que acende o alerta: até onde vai o poder financeiro dessas plataformas num país onde o esporte e a cultura ainda lutam por recursos?
A regulamentação proposta é um passo necessário, mas tardio. O Brasil assistiu, praticamente sem freio, à entrada massiva de bets nos campos, nas telas e no cotidiano. O perigo mora na sutileza: transformar aposta em passatempo, aposta em “investimento”, e azar em estilo de vida. O vício em jogo é silencioso — e lucrativo, para quem opera.
O projeto de lei é uma tentativa de desligar o holofote da sedução e ligar o alerta da responsabilidade.