Estudantes e pesquisadores brasileiros que buscam ou já estão em universidades dos Estados Unidos, especialmente nas áreas de humanidades, enfrentam um cenário de insegurança e incerteza sob o governo de Donald Trump. Quem já está no país relata preocupação, enquanto quem planeja ir cogita adiar ou mudar seus planos.
Desde que assumiu o governo, o presidente norte-americano tem sido crítico às universidades, anunciando cortes de verbas e atacando pesquisas voltadas para temas sociais. Essa postura gera insegurança para pesquisadores internacionais. A presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Denise Pires de Carvalho, chegou a recomendar que pesquisadores brasileiros tivessem um “plano B”. A Capes informou que ao menos 96 pesquisadores já desistiram de fazer parte do doutorado nos EUA este ano.
O ambiente hostil e a insegurança pessoal
O professor de filosofia Marco Aurélio Sousa Alves, da UFSJ, que está na Rutgers University (Nova Jersey) em um pós-doutorado, relata ter encontrado um país muito diferente daquele onde morou há dez anos.
“Os próprios americanos, ou seja, a academia, de forma geral, se sente atacada pelo governo. As universidades estão sendo atacadas, estão cortando verbas deles”, disse Alves. Ele explica que o estrangeiro é ainda mais vulnerável devido aos ataques aos imigrantes, o que o faz sentir inseguro até mesmo de falar português na rua. “Tenho um receio que eu não tinha antes, de ser um estrangeiro falando uma língua latina nesse país. A sensação é de que eles querem mandar esse povo embora. Virou uma caça às bruxas”.
Apesar disso, Alves elogia o tratamento recebido dentro da universidade, que tem demonstrado preocupação com o bem-estar dos pesquisadores. Ele ressalta a importância dos EUA em sua área de estudo, filosofia da mente e da consciência, onde as universidades americanas abrigam os melhores pesquisadores e a maior parte da produção de qualidade mundial.
Suspensão de bolsas e dificuldades para a pós-graduação
O estudante de mestrado em filosofia na UFMG, Victor Angelucci, viu seus planos de doutorado nos EUA frustrados. Ele procurou a Fullbright Brasil, que até o ano passado concedia bolsas para doutorado pleno em sua área, mas foi informado que o programa havia sido suspenso.
Para Angelucci, essa suspensão é uma “perda tremenda para o Brasil”, já que os EUA são líderes mundiais em filosofia. O diretor executivo da Fullbright Brasil, Luiz Loureiro, justificou a mudança como uma “necessidade derivada da evolução do ambiente acadêmico”, mencionando a diminuição de candidatos qualificados para o doutorado pleno e o aumento na demanda por doutorado sanduíche, o que levou a organização a duplicar a oferta nesta modalidade.
A suspensão de bolsas também afetou o professor de direito da PUC-RS, Augusto Jobim, que teve sua ida como professor visitante cancelada no início do ano. Jobim, que pesquisa a ascensão da extrema direita e o fascismo no Brasil, havia sido pré-aprovado para o Fullbright Award, mas teve a aprovação final negada após a posse de Trump, com a Fullbright Brasil citando “novas diretrizes do Governo Americano”.
“Tem que pensar literalmente no plano B, como a Denise [Carvalho, da Capes] falou”, defende Jobim, que relatou que seus alunos já estão buscando alternativas em outros países, como Reino Unido e Itália.
Pesquisa de temas sensíveis e acesso a arquivos
A professora de história da UnB, Laura de Oliveira Sangiovanni, pesquisa as relações Brasil-EUA, com foco em temas considerados sensíveis, como o financiamento de publicações anticomunistas na Guerra Fria e supostos testes de armas biológicas americanas na Amazônia.
Laura, que aguarda o resultado de uma bolsa de pós-doutorado nos EUA, expressa preocupação com a obtenção do visto e o acesso a arquivos. Ela teme “passar por algum tipo de constrangimento na imigração ou mesmo nos arquivos”, mesmo cumprindo as determinações legais.
“Se a gente não consegue seguir avançando nas pesquisas sobre a presença americana no Brasil e na América Latina… isso representa não só um atraso, um retrocesso do ponto de vista do desenvolvimento da ciência, mas isso também nos fragiliza politicamente”, pondera.
Apesar das barreiras, a pesquisadora não planeja desistir. Ela acredita que a situação pode fortalecer “narrativas de uma perspectiva periférica” e incentivar o uso de outras fontes, como arquivos no Brasil e na América Latina.