Um estudo inédito mostra que a violência armada nas favelas e comunidades do Rio de Janeiro provoca efeitos devastadores não apenas no cotidiano escolar, mas também no aprendizado de milhares de crianças. A pesquisa, publicada na revista Dados, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), revela que estudantes do 5º ano do ensino fundamental aprendem 65% menos em língua portuguesa e chegam a perder um ano inteiro de conhecimento em matemática quando estudam em escolas situadas em áreas com alto índice de violência.
Como a violência afeta a aprendizagem
Segundo os pesquisadores, a exposição constante a tiroteios e conflitos faz com que escolas fiquem fechadas por mais dias, aumente a ausência de alunos e professores e gere estresse e prejuízos emocionais para toda a comunidade escolar.
“A violência impacta o sono, gera estresse e compromete a capacidade de aprender das crianças, jovens e professores”, explica o professor Tiago Bartholo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos autores do estudo.
Metodologia inédita
O levantamento considerou dados do aplicativo da Secretaria Municipal de Educação, que registrava episódios de violência relatados por diretores de escolas, além de informações do Fogo Cruzado, plataforma que monitora tiroteios no Rio, e resultados da Prova Brasil, avaliação nacional aplicada pelo Ministério da Educação.
Foram identificadas 32 escolas com seis ou mais episódios de violência em 2019. Ao compará-las com unidades de perfil socioeconômico e estrutural semelhante, os pesquisadores conseguiram isolar os efeitos da violência sobre a aprendizagem.
Os resultados apontam perdas médias de 7,2 pontos em língua portuguesa e 9,2 em matemática na escala do Saeb. Para efeito de comparação, um ano letivo equivale a 11,2 pontos em português e 8,5 em matemática.
Efeitos duradouros
Os pesquisadores destacam que os prejuízos não ocorrem apenas em um ano escolar, mas se acumulam ao longo de toda a trajetória dos estudantes.
“São diferenças pedagógicas relevantes, que devem ser observadas com atenção pelo poder público”, reforça Bartholo.
O artigo é assinado também por Mariane Koslinski (UFRJ), Ignacio Cano (Uerj), além das doutorandas Rachel Machado e Mariana Siracusa.
Contexto mais amplo
O problema não é isolado. Em maio deste ano, o relatório Educação Sob Cerco revelou que cerca de 800 mil alunos de 1,8 mil escolas públicas do Grande Rio sofrem impactos diretos da violência armada. O estudo mostra ainda que mais da metade das escolas da capital estão em áreas dominadas — 28,4% sob milícias e 30% sob o tráfico. Em 2022, foram contabilizados mais de 4,4 mil tiroteios em regiões próximas a unidades escolares.

