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Economia

Brasil avalia ter seu próprio GPS

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© Bruno Peres/Agência Brasil

O Brasil deu um passo inicial para estudar a viabilidade de desenvolver seu próprio sistema de geolocalização por satélite, um empreendimento de alta complexidade e custo. Um grupo de especialistas, com representantes de ministérios, da Aeronáutica, de agências federais e da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil, foi criado para diagnosticar as consequências da dependência do país em relação a sistemas de posicionamento, navegação e tempo controlados por outras nações.

O grupo técnico, estabelecido por meio da Resolução nº 33 do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, tem 180 dias (contados a partir de 14 de julho) para apresentar um relatório com suas conclusões e sugestões ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, Marcos Antonio Amaro dos Santos.

“Vamos procurar entender os gargalos, as dificuldades, os prós e contras de desenvolvermos um sistema destes”, explicou nesta segunda-feira (21) Rodrigo Leonardi, diretor de Gestão de Portfólio da Agência Espacial Brasileira (AEB), um dos 14 órgãos e entidades que compõem o grupo. Ele destacou a importância dos atuais sistemas de navegação por satélite, como o GPS estadunidense, operado pela Força Espacial dos Estados Unidos.

 

Investimento elevado e independência tecnológica

 

Historicamente, o Brasil priorizou outros aspectos espaciais, como o monitoramento territorial por satélites. Agora, o debate se aprofundará na questão da navegação própria. “Vamos discutir se queremos ou não ter nosso próprio sistema de navegação; o investimento necessário para fazê-lo e, se for o caso, a necessidade nacional de ter um sistema global ou um sistema regional, capaz de cobrir todo nosso território”, detalhou Leonardi.

Ele admitiu a complexidade do projeto, que exigiria capacidade tecnológica para projetar, fabricar e lançar satélites de alta precisão. “Qualquer que seja o caso, se o país concluir que deve fazer isso, o patamar de investimentos terá que ser muitas vezes maior que o atualmente investido no programa espacial brasileiro”, concluiu.

 

Rumores sobre GPS e alternativas globais

A criação do grupo técnico ocorreu dias antes de o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, anunciar tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, gerando debates nas redes sociais sobre uma possível restrição ou desligamento do sinal GPS para o Brasil em caso de guerra comercial.

Leonardi esclareceu que esses rumores são “ruído” das mídias sociais e não têm relação com a criação do grupo, que já discutia o tema há tempos. Ele enfatizou que não houve comunicado oficial dos EUA sobre qualquer restrição e que, mesmo em uma situação “muito drástica e improvável”, há alternativas ao GPS.

O diretor da AEB explicou que o termo correto para sistemas de navegação por satélite é GNSS (Sistema Global de Navegação por Satélite). O GPS é apenas um deles, de propriedade dos EUA. Existem outros sistemas globais, como o Glonass (russo), Galileo (União Europeia) e BeiDou/BDS (China), que têm cobertura global e podem ser usados pelo Brasil. Além disso, há sistemas regionais, como o NavIC (Índia) e o QZSS (Japão).

Embora tecnicamente os EUA pudessem degradar ou restringir o sinal de seu GPS, Leonardi ponderou que essa seria uma medida drástica, justificável apenas se a segurança nacional dos EUA estivesse ameaçada. Ele argumentou que tal ação afetaria empresas americanas, outros países e poderia causar acidentes graves, além de gerar repercussões comerciais, levando nações a buscarem outros sistemas.

 

Capacidade Brasileira e desafios de financiamento

Geovany Araújo Borges, professor da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Laboratório de Automação e Robótica (Lara), concorda que, tecnicamente, os EUA poderiam interromper ou tornar o GPS menos eficaz, mas não acredita que isso ocorreria, pois contrariaria seus próprios interesses. Ele também destacou que a maioria dos dispositivos modernos é multiconstelação, ou seja, capaz de receber sinais de diferentes sistemas de geolocalização.

Borges ressaltou a importância de um país dispor de tecnologias próprias em um campo tão estratégico. “Várias áreas perdem com isso. Não só porque um país independente tem que ter um setor de defesa aeroespacial forte, como porque o desenvolvimento de tecnologias aeroespaciais beneficia outros segmentos, como, por exemplo, a medicina, a indústria e a agropecuária”, comentou.

O professor assegurou que o Brasil possui mão de obra qualificada para desenvolver seu próprio sistema a longo prazo. “Nosso problema não é RH [recursos humanos]. É dinheiro. Temos pessoal capacitado. A questão é se temos condições de bancar um projeto desta envergadura”, afirmou. Ele enfatizou a necessidade de um projeto de longo prazo, de uma política de Estado, com o desenvolvimento paralelo da indústria de microeletrônica e mais investimentos em educação básica. “Neste sentido, ainda que tardia, é positiva a criação de um grupo de especialistas para debater o tema”, concluiu Borges.

Fonte em Foco. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, assessorias de imprensa e colaboradores