A votação do Projeto de Lei Complementar (PLP) que cria o novo Código Eleitoral, realizada esta quarta-feira (11) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, foi bloqueada por uma ferrenha resistência de senadores da oposição. O ponto de discórdia? Trechos que buscam combater as notícias fraudulentas, as famosas fake news, e que, no entender de alguns, ameaçariam a liberdade de expressão.
Até quando a desinformação será um elemento tolerado no debate público?
Além do cerne das fake news, outros dispositivos também enfrentaram forte resistência, como a segurança da urna eletrônica, a quarentena para militares, juízes, policiais e promotores se candidatarem, e a proposta de cota de 20% das vagas dos parlamentos para mulheres. Por acordo, a votação foi adiada para 9 de julho, dando tempo para reuniões entre o relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI), e representantes dos partidos. Novas emendas para alterar o texto podem ser apresentadas até 2 de julho.
Senadores da oposição, notadamente aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, criticaram duramente os artigos do PLP 112/2021 que visam combater ou limitar as fake news nas campanhas eleitorais. O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), defendeu a tese de que as mudanças seriam uma forma de “censura“. “Você está criminalizando a crítica, está restringindo o debate público, está imputando penas às pessoas pela simples discordância”, disse Marinho.
Será que criticar o processo eleitoral é o mesmo que disseminar mentiras com intenção de deslegitimar a democracia?
O relator Marcelo Castro não hesitou em rebater, defendendo a necessidade de regras claras para que as mentiras não prejudiquem o julgamento do eleitor. “Vamos deixar um candidato publicando mentiras e distorcendo a vontade popular? A democracia tem que ter mecanismos para se defender. As pessoas têm que julgar baseado em fatos reais, e não em mentiras”, argumentou.
Qual o limite entre a crítica legítima e a desinformação orquestrada, capaz de minar a confiança popular no sistema?
Um dos trechos mais criticados, o Parágrafo 4º do Artigo 368, por exemplo, é taxativo ao proibir o uso de recursos públicos para “propagação de mensagens falsas” e para “disseminação de discurso de ódio”. O Artigo 454 vai além, vedando a divulgação de “fatos sabendo ou devendo saber serem inverídicos para causar atentado grave à igualdade de condições entre candidatos no pleito ou embaraço, desestímulo ao exercício do voto e deslegitimação do processo eleitoral”. No mesmo artigo, é proibida a incitação à violência, a defesa de posições contrárias à forma democrática de governo e o conteúdo que deprecie a condição da mulher. O projeto estabelece que a divulgação de fatos inverídicos será punida com prisão de um a quatro anos mais multa, com pena aumentada se a conduta for contra a integridade dos processos de votação e apuração, com a finalidade de promover a desordem ou estimular a recusa dos resultados.
Para o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), tal medida inviabilizaria críticas ao sistema eleitoral. “Se criticar o sistema eleitoral, o cara vai preso, perde o mandato. Ninguém pode fazer uma crítica ao sistema eleitoral”, reclamou. Mas o relator Castro prontamente negou, esclarecendo: “Isso não é crítica. É um movimento de desacreditação do resultado eleitoral para promover uma balbúrdia e desacreditar o eleito. É totalmente diferente da crítica”.
A distinção é fundamental: o que o eleitor médio percebe como crítica e o que é, na verdade, uma tática para desestabilizar o processo democrático?
A gravidade da desinformação não é apenas teórica. Em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), o chamado processo da trama golpista de 8 de janeiro de 2023 aponta como um dos elementos-chave para o golpe a acusação, sem provas, da insegurança das urnas eletrônicas, visando anular as eleições presidenciais de 2022. Quantos ainda se deixam enganar por narrativas que, comprovadamente, colocam em risco a própria democracia?
Outro ponto de atrito entre os senadores da oposição foi a quarentena de dois anos para juízes, promotores, militares e policiais abandonarem o cargo antes de se candidatarem. O relator Marcelo Castro justificou a norma para impedir o uso da função pública para propaganda pessoal, argumentando que são “carreiras de Estado incompatíveis com a atividade política“. Ele ainda cedeu, reduzindo a quarentena de quatro para dois anos. O senador Sérgio Moro (União-PR), conhecido por sua atuação como juiz da Lava Jato e por ter determinado a prisão de Lula (em um processo no qual foi posteriormente considerado parcial pelo STF), criticou a medida, focando na “preocupação” com a quarentena para essas categorias.
Afinal, o que é mais importante: a liberdade irrestrita de candidatura ou a garantia de isenção e impessoalidade nas funções públicas que influenciam diretamente a vida dos cidadãos?
Por fim, o artigo que estabelece a cota de 20% das vagas dos parlamentos para candidatas mulheres também gerou divergência. A cota exigiria que a candidata tivesse, no mínimo, 10% do quociente eleitoral. Para o senador Eduardo Girão (PL-CE), isso seria uma “discriminação” e “não razoável“. Já a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) defendeu a medida, argumentando que, sem cotas, levaríamos “cem anos para chegar à igualdade entre homens e mulheres no Brasil na representação política“. Ela citou exemplos de países latino-americanos que já adotam critérios de cota.
Em um país que clama por mais representatividade, a garantia de espaço para mulheres na política é uma imposição ou uma necessidade para uma democracia mais justa e equitativa?
O PLP 112/2021, com quase 900 artigos, busca unificar sete legislações em vigor e estabelecer novas regras para prestação de contas de campanhas, fiscalização de urnas, propaganda eleitoral na internet e prazo de inelegibilidade pela Lei da Ficha Limpa.6 O debate é complexo e crucial para o futuro da democracia brasileira.