A Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) lançou nesta semana uma nova diretriz para o tratamento farmacológico da obesidade, marcando uma virada de chave na forma como a doença é encarada no Brasil. O documento reconhece a obesidade como uma condição crônica que exige cuidado contínuo e personalizado — e não apenas uma questão estética ou de peso.
Com 35 recomendações baseadas em evidências científicas, o material orienta médicos e gestores sobre o uso adequado de medicamentos combinados a mudanças no estilo de vida, com foco em saúde, funcionalidade e qualidade de vida, e não apenas na redução do Índice de Massa Corporal (IMC).
“O objetivo não é mais normalizar o peso, mas sim alcançar metas possíveis e sustentáveis que impactem positivamente a saúde”, destaca o endocrinologista Bruno Halpern, vice-presidente da Abeso.
Abordagem mais realista e eficaz
A nova diretriz defende metas mais realistas, como a redução de pelo menos 10% do peso corporal, o suficiente para melhorar condições como diabetes tipo 2, hipertensão, apneia do sono, osteoartrose e doenças hepáticas associadas à disfunção metabólica.
“Deixamos de focar apenas no IMC para considerar medidas como circunferência da cintura e percentual de gordura corporal”, explica o endocrinologista Fernando Gerchman, coordenador do grupo que elaborou a diretriz.
Ele também aponta que hoje já existem no Brasil medicamentos aprovados com alto grau de eficácia, como liraglutida (Saxenda), semaglutida (Wegovy) e tirzepatida (Monjauro). A indicação pode ocorrer até antes da mudança de estilo de vida, a depender da condição clínica e da decisão compartilhada entre médico e paciente.
Medicamentos: quando e como usar
A diretriz propõe que o tratamento medicamentoso seja iniciado desde o início do acompanhamento, sempre associado à alimentação saudável, atividade física e apoio psicológico. Fármacos com maior eficácia, como semaglutida e tirzepatida, devem ser priorizados quando disponíveis.
Segundo o diretor da Abeso, Alexandre Hohl, essas medicações não tratam apenas o peso, mas também reduzem riscos cardiovasculares e a evolução para diabetes tipo 2, conforme demonstrado em estudos clínicos.
Além disso, o uso off-label — fora da indicação aprovada — pode ser considerado, desde que com respaldo científico, segurança comprovada e aval individualizado do paciente.
Um olhar para cada paciente
A diretriz também defende uma abordagem fenotipada, ou seja, que leve em conta os comportamentos alimentares, fatores genéticos, sociais, psicológicos e ambientais de cada paciente.
“Classificar os pacientes com base no comportamento alimentar nos permite oferecer um tratamento mais eficaz”, afirma Gerchman.
Grupos específicos, como idosos com sarcopenia, pacientes com insuficiência cardíaca ou câncer relacionado à obesidade, também receberam orientações próprias, reconhecendo a diversidade de perfis que demandam intervenções diferenciadas.
Ponto final para fórmulas perigosas
O documento contraindica o uso de fórmulas com substâncias não validadas, como diuréticos ou hormônios, e enfatiza que o tratamento deve ser contínuo, com reavaliações regulares. A interrupção do uso de medicamentos, alertam os especialistas, costuma resultar na recuperação do peso perdido.
“Quando se para o tratamento, o peso tende a voltar. A manutenção é essencial”, ressalta Marcio Mancini, coordenador do Departamento de Farmacoterapia da Abeso.
Principais destaques da nova diretriz:
-
Tratamento contínuo e individualizado, com meta de perda de peso de 10% para melhorar a saúde geral.
-
Novos critérios diagnósticos, incluindo pessoas com comorbidades mesmo com IMC abaixo de 30.
-
Atenção especial a grupos vulneráveis, como idosos com perda muscular e pacientes com doenças associadas à obesidade.
-
Prioridade a medicamentos com eficácia comprovada, como semaglutida, liraglutida e tirzepatida.
-
Combate ao uso de substâncias perigosas e alerta para riscos de tratamentos não supervisionados.
A nova diretriz foi elaborada com apoio de 15 sociedades médicas brasileiras e reflete um movimento global de reavaliar a obesidade como uma questão complexa, multifatorial e de saúde pública — e não apenas um número na balança.