Manifestantes de diversas cidades brasileiras foram às ruas neste domingo (14) para protestar contra a aprovação do chamado PL da Dosimetria, projeto que altera o cálculo das penas de condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e pode beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro. Os atos foram organizados pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo.
Pela manhã, houve mobilizações em capitais como Belo Horizonte, Campo Grande, Cuiabá, Maceió, Fortaleza, Salvador e Brasília. Na capital federal, os manifestantes se concentraram em frente ao Museu da República e seguiram até o Congresso Nacional, com palavras de ordem como “Sem anistia para golpista” e críticas ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Avenida Paulista vira palco do protesto
Em São Paulo, a Avenida Paulista foi ocupada por manifestantes nas imediações do MASP. O ato reuniu centrais sindicais, movimentos sociais e estudantis e partidos de oposição ao projeto. Cartazes com frases como “Congresso inimigo do povo” dominaram a cena, além de críticas diretas a Hugo Motta. Parte do público vestiu verde e amarelo para reforçar que a rejeição ao projeto não é monopólio ideológico — um detalhe que confundiu até quem achava que as cores tinham dono.
Os manifestantes também protestaram contra a forma como o projeto foi votado. A sessão ocorreu após a Polícia Legislativa retirar à força o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) da Mesa Diretora. Durante a ação, jornalistas foram impedidos de acompanhar a ocorrência e houve agressões a profissionais da imprensa, segundo relatos no plenário.
“É anistia disfarçada”, dizem organizadores
Para Juliana Donato, da Frente Povo Sem Medo, a mobilização é uma resposta direta ao avanço do projeto. “Entendemos que se trata de uma anistia. Os crimes cometidos contra a democracia são graves e não podem ser perdoados, porque a impunidade abre espaço para novas tentativas de golpe”, afirmou.
Ela avalia que a pressão popular pode influenciar a próxima etapa da tramitação, no Senado. Segundo Juliana, o protesto também critica outras pautas aprovadas pelo Congresso que, na avaliação dos movimentos, retiram direitos ou atendem a interesses restritos. “O Congresso é a casa do povo, mas vota contra o povo de madrugada e impede a imprensa de registrar o que acontece. Por isso a frase ‘Congresso inimigo do povo’ ganhou força”, disse, acrescentando que o debate deve repercutir nas eleições de 2026.
O que muda com o PL da Dosimetria
O PL da Dosimetria determina que os crimes de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado, quando cometidos no mesmo contexto, passem a ter aplicação da pena mais grave, em vez da soma das penas. Além disso, o texto reduz o tempo necessário para progressão de regime, do fechado para o semiaberto ou aberto.
Parlamentares da oposição estimam que, no caso de Jair Bolsonaro, a mudança pode reduzir a pena para 2 anos e 4 meses em regime fechado, em vez dos 7 anos e 8 meses previstos pelo cálculo atual. O projeto também pode beneficiar outros réus, como os militares Almir Garnier, Paulo Sérgio Nogueira, Walter Braga Netto e Augusto Heleno.
Impacto além dos crimes políticos
Especialistas em direito ouvidos pela Agência Brasil alertam que o texto não se limita aos crimes relacionados ao 8 de janeiro. O professor Rodrigo Azevedo, da PUC-RS, afirma que a proposta reduz de forma sensível os percentuais de cumprimento de pena para crimes comuns não violentos, em comparação com o modelo vigente desde 2019.
Em outras palavras, o projeto não mexe apenas com a memória recente da democracia brasileira, mas com o sistema penal como um todo. E foi justamente esse efeito colateral que ajudou a inflamar os protestos deste domingo — porque, quando a dosimetria vira política, a rua costuma responder.

