O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a cerimônia de recebimento do título de doutor Honoris Causa pela Universidade Nacional da Malásia, neste sábado (25), para disparar críticas contundentes contra a continuidade do conflito em Gaza e o que chamou de “inércia moral” internacional em relação à criação do Estado palestino. Sem meias palavras, o petista também mirou nas políticas tarifárias dos Estados Unidos — embora não tenha citado diretamente o nome de Donald Trump.
“As comunidades universitárias em todo o mundo têm elevado suas vozes contra a brutalidade do genocídio em Gaza e contra a inércia moral, que impede até hoje que o Estado Palestino seja criado”, afirmou Lula durante o discurso em Putrajaya, capital administrativa malaia. O presidente reforçou que são os jovens que costumam recordar à humanidade que a paz é o valor mais precioso.
Recado aos EUA sem citar Trump
Ao defender o multilateralismo e criticar o uso de tarifas como mecanismo de coerção, Lula deixou claro o alvo de sua insatisfação: os Estados Unidos de Donald Trump. No início de agosto, o governo norte-americano aumentou em 50% as tarifas de importação sobre produtos brasileiros, medida que gerou desconforto diplomático e econômico.
“Nações que não se dobram ao colonialismo e à dicotomia da Guerra Fria não se intimidarão diante de ameaças irresponsáveis”, declarou o presidente brasileiro, em tom firme. A frase soa como recado direto a Washington, embora o nome de Trump não tenha sido pronunciado.
O encontro entre Lula e Trump está marcado para este domingo (26), justamente para tratar da questão tarifária. A reunião acontece em meio à pressão do setor produtivo brasileiro, que vê nas sobretaxas uma ameaça direta às exportações e ao equilíbrio comercial entre os dois países.
Reforma da ONU e crítica ao FMI
Lula também cobrou mudanças estruturais nos organismos internacionais, especialmente no Conselho de Segurança da ONU. Para o petista, sem maior representatividade, o órgão segue “inoperante e incapaz de responder aos desafios do nosso tempo”.
O presidente foi além e denunciou o que considera uma assimetria brutal no sistema financeiro global. Segundo Lula, os países ricos detêm nove vezes mais poder de voto no Fundo Monetário Internacional (FMI) do que as nações do Sul Global — termo que engloba países da América Latina, Ásia e África com histórico de colonialismo e desigualdades socioeconômicas.
“É a hora de interromper os mecanismos que sustentam há séculos o financiamento do mundo desenvolvido às custas de economias emergentes em desenvolvimento”, bradou.
Desigualdade global e bilionários
O mandatário brasileiro trouxe números para embasar sua crítica ao modelo neoliberal. Desde 2015, apenas 3 mil bilionários acumularam US$ 6,5 trilhões — cifra que supera o Produto Interno Bruto (PIB) nominal da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) e do Brasil somados.
“Não podemos vislumbrar um mundo diferente sem questionar um modelo neoliberal que aprofunda desigualdades”, afirmou Lula, defendendo que a estrutura financeira mundial direcione recursos para o desenvolvimento sustentável das nações emergentes.
O presidente também criticou o protecionismo e a paralisia da Organização Mundial do Comércio (OMC), que, segundo ele, impõem uma situação de assimetria insustentável para os países do Sul Global.
Agenda na Malásia
Lula permanece na Malásia até terça-feira (28), quando participa de encontro com empresários locais e da Asean. A visita busca fortalecer laços comerciais e políticos com o bloco asiático, em momento no qual o Brasil tenta diversificar parcerias e reduzir a dependência do mercado norte-americano.
A reunião deste domingo com Trump, porém, deve ser o ponto mais tenso da agenda. O desfecho da conversa pode definir o tom das relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos nos próximos meses — e indicar se Lula conseguirá reverter, ao menos parcialmente, a política tarifária que tem incomodado Brasília.

