Aqui é opinião, meu leitor — e hoje o assunto é daqueles que mexem com o nervo exposto da política brasileira. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentou o PL da Dosimetria, aprovado pela Câmara dos Deputados, aquele que reduz penas dos condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro e pela tentativa de golpe. O projeto pode, inclusive, alcançar o ex-presidente Jair Bolsonaro. E se isso parece explosivo, é porque é mesmo.
Lula disse que só decide quando o texto chegar ao Executivo. É quase um “calma, gente, não me envolvam ainda nessa bomba-relógio”. Ele empurrou o debate de volta ao Legislativo, aquela estratégia clássica de quem sabe que, qualquer que seja a decisão final, haverá desgaste político por todos os lados. E, convenhamos, ele não está errado: o projeto divide até quem nunca concorda em nada.
Mas Lula foi além. Com a franqueza calculada que costuma usar quando quer deixar a porta entreaberta para interpretação política, narrou que Bolsonaro foi condenado a 27 anos e três meses porque, segundo ele, não tentou “fazer brincadeira”. Alegou que havia “plano arquitetado” para matar a ele, a Geraldo Alckmin e a Alexandre de Moraes, além de explodir um caminhão no aeroporto de Brasília. São acusações extremamente graves — e ainda que façam parte de discussões judiciais em curso, Lula usa esse repertório para pressionar politicamente o ambiente em torno do PL.
É curioso observar como Lula combina crítica contundente e um certo tom de resignação institucional. Ele lembrou que o projeto segue agora para o Senado e repetiu que só vai decidir quando o texto encostar na sua mesa. A cereja do bolo foi a frase: “Eu e Deus decidiremos”. Não é incomum em Lula usar esse tipo de hipérbole espiritual para marcar posição política. É quase um “quando chegar a hora, ninguém segura”.
E, claro, veio a parte que ele mais gosta: comparar o comportamento de Bolsonaro pós-eleição ao dele e ao dos ex-presidenciáveis do PSDB. O argumento é velho, mas efetivo para seu público: “perdi três vezes e nunca tentei golpe”. Uma mensagem embalada para consumo rápido nas redes e nas rodas políticas.
Aqui, meu caro, entra o ponto central: não é apenas sobre a pena de Bolsonaro ou de seus aliados. É sobre o simbolismo político do 8 de janeiro. A possível redução das penas reabre feridas, alimenta discursos radicais e cria a sensação — para muitos — de que o país não sabe lidar com as próprias rupturas democráticas.
E é aqui que Lula joga com cálculo: se vetar, vira carrasco; se sancionar, vira cúmplice de abrandamento; se mexer parcialmente, desagrada metade do país. Não existe saída ilesa.
Enquanto isso, o Legislativo segue no seu próprio cabo de guerra, com parlamentares tentando ressignificar o episódio para agradar suas bases — especialmente a direita radical, que ainda tenta reescrever o 8 de janeiro como um “protesto exagerado”. Esse truque narrativo, aliás, não cola mais nem com fita adesiva barata.
No fim, Lula sinaliza que vai decidir sozinho, assumindo o desgaste. E, querendo ou não, está certo em uma coisa: se o país não trata com rigor as tentativas de golpe, abre precedente para a próxima aventura autoritária surgir mais ousada.
A democracia brasileira já levou pancada o suficiente. Agora, o teste é ver se aguenta o peso das decisões que vêm por aí.

