O Brasil permanecerá refém das gigantes da tecnologia, as chamadas big techs como Google, Meta e Microsoft, a menos que invista em estratégias de autonomia tecnológica. Essa é a análise do deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), voz ativa nos debates sobre direitos digitais no Congresso Nacional, durante o 60º Congresso da União Nacional de Estudantes (UNE), o Conune, em Goiânia.
“Vale a pena regular do ponto de vista de moderação de conteúdo, vale a pena regular do ponto de vista de proteção da infância e da adolescência e vale a pena regular do ponto de vista concorrencial dos mercados, pois essas companhias são oligopólios de poucas empresas controlando o mercado e controlando a esfera pública. Mas, tão importante quanto leis eficazes, é termos autonomia tecnológica, para que a soberania digital seja de verdade”, afirmou o deputado.
Orlando Silva foi relator do Projeto de Lei (PL) 2.630, que propõe a regulação das plataformas digitais no Brasil, mas que perdeu força no Legislativo.
Ataques ao Pix e dependência de infraestrutura
O tema da soberania digital ganha relevância no contexto das recentes tarifas comerciais impostas pelos Estados Unidos ao Brasil, que revelam interesses em mercados de serviços financeiros e digitais. Uma investigação aberta pelo representante de Comércio dos EUA, Jamieson Greer, a mando do presidente Donald Trump, ataca diretamente o Pix, serviço público de pagamentos eletrônicos criado pelo Banco Central do Brasil.
“Essa movimentação contra o Pix não é algo descolado. Fintechs [bancos digitais] e big techs nutrem o movimento de Trump e vice-versa. Seria desejável para eles que operações como a do Pix fossem realizadas pelo WhatsApp Pay, por exemplo”, aponta o deputado.
Se o Pix demonstrou um caminho de autonomia nos pagamentos digitais, a infraestrutura tecnológica ainda é um desafio total, segundo Silva. “Todo o cabeamento que transmite dados de ponta a ponta está na mão de multinacionais. Os data centers são controlados por multinacionais, multinacionais americanas e algumas chinesas.”
O deputado alerta que a dependência é ainda mais profunda na camada das aplicações, onde operam as plataformas digitais. “Se hoje as cinco empresas do Vale do Silício, que são monopólicas, desligarem seus equipamentos aqui, vai ter um apagão digital no Brasil. E nós não temos capacidade instalada em infraestrutura tecnológica para garantir a operação de serviços.”
Caminhos para a soberania digital
Para buscar soluções, o evento “Soberania Já”, realizado na semana passada em Brasília, reuniu movimentos sociais, coletivos de cultura digital, pesquisadores e entidades da sociedade civil. Eles se encontraram com o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom/PR), Sidônio Palmeira, e o secretário de Políticas Digitais da pasta, João Brant, para elaborar propostas e eixos estratégicos para o Brasil investir em tecnologia própria.
Orlando Silva sugere que “é possível, a partir do sistema de universidades brasileiras, organizar uma operação de data centers, por exemplo, sob controle do Brasil, garantindo soberania dos dados. E eu também apostaria em cooperação do Sul Global, no ambiente do Brics, porque a China tem muita coisa desenvolvida, a Índia também, a Rússia também. Então, você teria como um ambiente de cooperação com mecanismo para garantir a autonomia tecnológica do Brasil”.
Outra iniciativa para impulsionar o desenvolvimento tecnológico nacional é o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA). Lançado em julho do ano passado, com investimento previsto de R$ 23 bilhões em quatro anos, o PBIA visa transformar o país em referência mundial em inovação e eficiência no uso da inteligência artificial, especialmente no setor público.
Taxação de plataformas e tragédia no conune
No Congresso da UNE, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil vai taxar as big techs norte-americanas, no contexto da interferência dos EUA em questões comerciais brasileiras. Embora o presidente não tenha detalhado a forma, o governo prepara um projeto de lei antitruste no setor digital para assegurar a defesa da concorrência e combater práticas anticompetitivas. Outro projeto em análise visa combater crimes e violações contra crianças e adolescentes no ambiente digital.
O Conune, com o tema “Da universidade às ruas: um canto de luta pelo Brasil”, acontece até domingo (20) na Universidade Federal de Goiás (UFG), reunindo cerca de 10 mil estudantes de todo o país. O evento foi marcado pela tragédia do grave acidente na BR-153, em Porangatu (GO), envolvendo um ônibus com estudantes do Pará a caminho do congresso. Cinco pessoas morreram e cerca de 70 ficaram feridas. As vítimas foram lembradas em todos os debates.