Se Brasília já produz seus próprios roteiros de drama político, Eduardo Bolsonaro resolveu escrever um spin-off exclusivo. Depois de 120 dias de licença, autoexílio nos Estados Unidos e zero aparecimento desde 20 de julho, o deputado agora enfrenta um processo que pode levar à perda do mandato por faltas — a regra mais básica da Constituição, aquela que qualquer vereador novato aprende no primeiro dia: apareça para trabalhar.
Pois bem, o presidente da Câmara, Hugo Motta, notificou o parlamentar sobre o processo administrativo. Nada de excepcional: está no artigo 55, parágrafo 3º, que prevê cassação para quem falta a um terço das sessões. O ponto é que, em Brasília, ninguém chega nesse estágio por engano. Só chega quem quer testar o limite… ou quem aposta que as regras existem apenas como sugestão.
A narrativa da perseguição eterna
Do outro lado do continente, Eduardo Bolsonaro já avisou no Instagram: isso tudo seria uma tentativa de “cassar um parlamentar inocente”, além de um desrespeito aos seus mais de 700 mil votos. A velha fórmula, reciclada tantas vezes na política brasileira: não é ausência, é perseguição; não é descumprimento de dever, é injustiça; não é fato, é narrativa.
Ele diz que “não pode retornar ao Brasil”. A frase, claro, entrega mais drama do que explicação. Até porque a Constituição não prevê “autoexílio preventivo” como justificativa para escapar de faltas.
Eduardo ainda afirma que só consegue exercer a parte “diplomática” do mandato — essa categoria nebulosa que, aparentemente, não exige presença em Brasília, nem voto, nem debate. Conveniente.
E, para completar o roteiro, sobrou até para Flávio Dino, acusado por ele de bloquear suas emendas parlamentares. Dino, agora no STF, vira antagonista de prévia obrigatória em toda narrativa bolsonarista.
O contexto jurídico pesa — e pesa muito
O detalhe incômodo para Eduardo é que o processo administrativo não nasce no vácuo. Ele é réu no STF desde setembro, denunciado por coação no inquérito que investiga pressão indevida sobre autoridades dos Estados Unidos durante o julgamento que condenou seu pai por tentativa de golpe de Estado.
É aqui que a história muda de cor. Ausências prolongadas ganham outra leitura quando o parlamentar está envolvido em um caso dessa magnitude. O risco de parecer fuga política cresce, e a justificativa de perseguição perde brilho — ainda mais quando os documentos e prazos do Congresso estão, digamos, muito bem datados.
O problema real para Eduardo Bolsonaro
O que pega para o deputado não é só o processo atual; é o conjunto da obra. A imagem de que ele não cumpre obrigações formais pode pesar mais do que qualquer disputa jurídica. Porque cassação por faltas, diferentemente de cassação por crime, é uma punição objetiva: não exige interpretação sobre intenções, apenas calendário e registro de presença.
E se tem uma coisa que Brasília respeita, é o cronômetro.
O que esperar agora
Eduardo tem cinco dias úteis para se manifestar. Vai apresentar defesa, claro. Vai insistir na tese da perseguição, sem dúvida. Mas o ponto crítico é outro: deputados só ignoram sessões se acreditam que não serão cobrados. Agora, foi cobrado.
E a Câmara — essa instituição que às vezes demora, mas não esquece — adora dar uma resposta quando sente que está sendo feita de boba.
Se vai ser cassação? Aí é outro drama. Mas o enredo está longe de acabar.

