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sábado, 6 dezembro 2025, 02:21:03
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Mulheres do Marajó transformam moda em resistência e identidade

Publicado em:

Repórter: Paulo Andrade

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Em uma casa simples, com paredes ainda no reboco, mora e trabalha Dona Cruz, de 77 anos. A vida em Soure, na Ilha de Marajó (PA), contrasta com o tipo de roupa que ela confecciona todos os dias: um traje de gala marajoara, símbolo de elegância e herança cultural.

Feitas à mão com tecido de algodão e fitas bordadas com grafismos inspirados em cerâmicas indígenas, as camisas levam de um a três dias para ficarem prontas. Cada peça é única, e muitas vestem autoridades políticas e fazendeiros. Desde que o governador Helder Barbalho usou uma das criações de Dona Cruz na Cúpula da Amazônia, em 2023, a demanda aumentou — mas os ganhos ainda são modestos.

Geralmente, o que eu ganho da venda das camisas, eu gasto na compra de novos materiais. Para quando o cliente chegar, ter sempre algo disponível. Eu trabalho por conta própria, sem empréstimos. E o dinheiro da aposentadoria fica para as despesas da casa”, explica a costureira.

Os valores variam conforme o tamanho e o modelo: de R$ 290 a R$ 410. Mesmo sem lucro expressivo, o trabalho representa autonomia, propósito e saúde mental. “Trabalhava como inspetora de colégio e depois me aposentei. Quando fiquei viúva, comecei a fazer as camisas para ocupar a cabeça. É bom para não ficar pensando em outras coisas”, diz.

Com ajuda pontual do poder público, Dona Cruz recebeu uma máquina de costura industrial — fruto de parceria entre a Prefeitura de Soure e o governo do estado — e passou por capacitação do Sebrae, no programa Polo de Moda do Marajó. Lá, aprendeu a calcular preços, melhorar a apresentação dos produtos e buscar novos mercados.

O Polo de Moda do Marajó tem transformado vidas ao gerar renda, resgatar saberes e fortalecer a autoestima das mulheres. Ao profissionalizar a produção e conectar essas costureiras a novos mercados, promovemos inclusão produtiva e valorização cultural”, afirma Renata Rodrigues, gerente do Sebrae no Marajó.

Agora, Dona Cruz prepara-se para dar aulas de camisaria marajoara pelo Sebrae e repassar os conhecimentos de uma técnica rara. O mestre que a ensinou, conhecido como Baiano, morreu de covid-19 durante a pandemia. Das dez alunas dele, apenas Dona Cruz concluiu o curso.

Antes de viver da arte, Rosilda foi professora e servidora pública. Após perder o emprego e enfrentar a depressão, encontrou na costura uma nova chance. “Foi como um empurrão. Eu comecei há uns 30 anos, mas há 16 me encontrei de verdade no grafismo marajoara”, conta.

Hoje, ela lidera um ateliê com seis pessoas, produzindo roupas e acessórios que unem moda e identidade amazônica. Suas peças são vendidas em lojas de Belém e atraem compradores de outras regiões. A sustentabilidade é um dos pilares: o grupo utiliza tecidos 100% algodão e reaproveita sobras de material, doando retalhos a mulheres que produzem tapetes e outros artesanatos.

Com a COP30, em Belém, se aproximando, Rosilda vê uma oportunidade de expansão. “A gente tem que acreditar que a COP vai trazer coisa boa — para o clima, para a cultura, para a biojoia. Meu objetivo é ganhar dinheiro, claro, mas também divulgar nossa cultura para o mundo”, afirma.

Marca autoral e novos caminhos

A marajoara Glauciane Pinheiro, de 40 anos, trilhou caminho semelhante. Professora de francês, entrou “sem nunca ter tocado numa máquina” em um curso de costura industrial do Sebrae. “Eu estava desempregada e emocionalmente abalada. Entrei para me distrair, mas acabei me encontrando na costura”, relembra.

Com o incentivo do marido, que lhe deu duas máquinas, Glauciane criou a marca Mang Marajó, especializada em estampas autorais e bordados produzidos por famílias da região. O turismo local impulsionou as vendas. “Desde os preparativos para a COP30, a cidade está diferente. Tem mais turistas. Eu recebo gente todos os dias, até de noite ou aos domingos”, conta.

Para ela, o crescimento do turismo é um divisor de águas. “A gente acredita que o turismo pode sustentar o Marajó. E eu quero viver disso: da cultura e da arte.”

As histórias de Dona Cruz, Rosilda e Glauciane formam o retrato de um movimento silencioso — o de mulheres que costuram a própria autonomia com linha, paciência e identidade cultural. No Marajó, cada ponto bordado é também um ato de resistência contra a exclusão social e econômica.

Essas artesãs representam um modelo de desenvolvimento que une tradição, sustentabilidade e empreendedorismo feminino. Se a COP30 promete projetar o Pará no mundo, é no trabalho delas que o Brasil mais autêntico se revela: o que inova sem perder as raízes.

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