Em um momento em que milhões de brasileiros enfrentam o aperto de uma profunda recessão econômica, com desemprego em alta e perda de poder de compra, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados protocolou uma proposta que soa como um verdadeiro escárnio para a população: um projeto de lei que extingue a proibição do acúmulo de aposentadoria como parlamentar com o salário de cargo eletivo federal.
A matéria, protocolada na última terça-feira (10), é assinada pelo próprio presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), e por representantes de partidos como PL, PP, União Brasil, PT e PSD.
- Como podem líderes políticos de diversas legendas endossar uma medida como essa em meio a tanta dificuldade para o povo brasileiro?
- Onde está o compromisso com os mais carentes, com os que lutam diariamente para sobreviver com um salário mínimo?
Atualmente, um deputado federal recebe um salário bruto de R$ 46.366,19.1 Esse valor, por si só, já é exorbitante para a realidade da maioria dos trabalhadores do país. Além disso, os parlamentares usufruem de uma série de “pinduricalhos” – benefícios como auxílio-moradia, cota para o exercício da atividade parlamentar (que cobre passagens aéreas, combustível, divulgação, etc.), plano de saúde e auxílio-alimentação. Esses benefícios elevam ainda mais os valores recebidos mensalmente, chegando a cifras que beiram os R$ 100 mil mensais quando somados.
Para colocar em perspectiva a dimensão desse privilégio: o salário mínimo atual no Brasil é de R$ 1.412. Isso significa que o salário bruto de um deputado é aproximadamente 32 vezes maior que o salário mínimo. Se considerarmos todos os benefícios, essa disparidade é ainda mais gritante. Agora, imaginem permitir que, sobre esse valor já altíssimo, o parlamentar ainda possa acumular uma aposentadoria.
- Qual é a mensagem que o Congresso Nacional quer passar à sociedade? Que as regras são para o povo, mas não para a elite política?
A Lei 9.506 de 1997, que criou o atual regime de previdência de deputados e senadores, é clara: o parlamentar federal que tiver direito ao benefício da aposentadoria não pode recebê-lo enquanto estiver no mandato ou em outro cargo eletivo. O novo projeto de lei, caso aprovado, permitirá que os políticos – participantes do Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC) – acumulem a aposentadoria (proporcional ao tempo de contribuição) com o salário integral de R$ 46.366,19.
Para coroar a insensibilidade, o projeto ainda cria uma “gratificação natalina” para os integrantes do PSSC, a ser paga com base nos valores recebidos pelos parlamentares em dezembro. Enquanto milhões de brasileiros se preocupam com a cesta de Natal, nossos representantes pensam em gratificações sobre seus já robustos rendimentos.
A justificativa apresentada pela Mesa Diretora para tal iniciativa chega a ser inacreditável: eles alegam que a proibição impõe “restrição incompatível com os princípios constitucionais da isonomia e da legalidade” e que a exceção “perpetua discriminação indevida”. Argumentam ainda que a regra em vigor “desestimula a continuidade da participação política dos cidadãos que já cumpriram integralmente os requisitos legais para a aposentadoria e seguem contribuindo para o regime”.
- É justo falar em “discriminação” quando o debate é sobre um benefício para uma categoria que já goza de tantos privilégios em um país com tamanha desigualdade social?
Quem é o “cidadão” que se sente “desestimulado” a participar da política por não poder acumular salários e aposentadorias de dezenas de milhares de reais
Este projeto não é apenas uma questão burocrática; é um símbolo da desconexão entre a classe política e a realidade do cidadão comum.
- Até quando o povo brasileiro aceitará calado que seus representantes votem em causa própria, alheios à dura realidade que afeta a maioria da população?