Um estudo publicado nesta quinta-feira (18) na revista Nature Reviews Earth & Environment amplia a compreensão científica sobre os impactos do El Niño–Oscilação Sul (ENOS) no Oceano Atlântico e aponta que o fenômeno climático pode definir se a pesca aumenta ou diminui em regiões da África e da América do Sul.
O ENOS corresponde à alternância entre El Niño e La Niña, fenômeno acoplado às variações de pressão e às circulações oceânicas e atmosféricas do Oceano Pacífico, com efeitos que se propagam para outros sistemas oceânicos.
A revisão científica reúne evidências de que o ENOS altera padrões de chuva, ventos, temperatura e salinidade do oceano, além da descarga de grandes rios. Essas mudanças afetam a disponibilidade de nutrientes e oxigênio nas águas, impactando o fitoplâncton, base da cadeia alimentar marinha, e, por consequência, a abundância de peixes e crustáceos de interesse comercial.
Impactos variam por região e espécie
Segundo o artigo, não há um efeito uniforme do ENOS sobre a pesca. As respostas variam conforme a região, a espécie explorada e o período analisado.
No Norte do Brasil, o El Niño atua pela via tropical e está associado à redução das chuvas na Amazônia, como observado em 2023 e 2024. Com menos precipitação, diminui a pluma do rio Amazonas, responsável por levar nutrientes essenciais para a costa do Norte e do Nordeste.
“Essa pluma, que chega à costa do Norte e Nordeste do Brasil, contém nutrientes que são a base da cadeia alimentar”, explica a professora Regina Rodrigues, da Universidade Federal de Santa Catarina, uma das autoras do estudo.
A redução desse aporte pode prejudicar a produtividade pesqueira em determinadas áreas. Em contrapartida, pode favorecer a captura do camarão marrom, que se beneficia da menor turbidez da água e da maior penetração da radiação solar.
Já no Sul do Brasil, o El Niño atua pela via extratropical e está associado ao aumento das chuvas, como ocorreu no Rio Grande do Sul em 2024. O maior aporte de água doce e nutrientes tende a favorecer algumas pescarias. Na região central do Atlântico Sul, o fenômeno aparece relacionado ao aumento da captura da albacora, espécie de atum amplamente explorada comercialmente.
Integração de processos e lacunas de dados
O estudo ressalta que essas respostas podem mudar conforme a estação do ano e até a década analisada. Para Ronaldo Angelini, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e coautor do artigo, a proposta é integrar processos físicos, biogeoquímicos e ecológicos para explicar essas variações.
“Essa abordagem ajuda a entender por que as respostas da pesca nem sempre são lineares ou consistentes ao longo do tempo”, afirma Angelini, especialmente diante das mudanças climáticas, que alteram a frequência e a intensidade do ENOS.
A revisão também aponta lacunas relevantes, como a falta de séries históricas longas de dados pesqueiros e limitações das observações por satélite, e propõe caminhos para melhorar a capacidade de previsão.
“Esse roteiro viabiliza a construção de modelos quantitativos com estimativas de incerteza, fundamentais para separar os sinais do ENOS de outras variabilidades”, destaca o pesquisador.
Monitoramento e manejo local
Resultado de um projeto internacional financiado pela União Europeia, com participação de instituições da Europa, África e Brasil, o estudo conclui que não existe uma resposta única do Atlântico ao ENOS. Para os autores, isso reforça a necessidade de estratégias de manejo localizadas, adaptadas a cada estoque pesqueiro e às realidades das comunidades costeiras.
Diante da escala global do fenômeno, os pesquisadores defendem um monitoramento oceânico coordenado, com ampliação das redes existentes, integração de observatórios costeiros e uso de protocolos comuns, dados interoperáveis e séries temporais comparáveis.

