O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com duas ações civis públicas para anular a licença ambiental concedida em setembro à Petrobras, que autorizou a ampliação das atividades de exploração de óleo e gás na Bacia de Santos, dentro da chamada Etapa 4 do pré-sal. As ações foram movidas contra a estatal e os órgãos federais responsáveis pelo licenciamento, entre eles o Ibama.
Segundo o MPF, a autorização teria sido emitida a partir de um processo administrativo sem transparência, conduzido “às pressas” pelo Ibama, que aprovou a licença em apenas 11 dias. Para o órgão, impactos socioambientais relevantes não foram analisados, especialmente os riscos às comunidades tradicionais dos litorais norte paulista e sul fluminense — pescadores artesanais, caiçaras, quilombolas e povos indígenas — que, de acordo com o MPF, não foram consultadas previamente, como determina a Convenção 169 da OIT, vigente no Brasil há mais de duas décadas.
A procuradora da República Fabiana Schneider, que assina as ações, afirmou que houve “má-fé” por parte da Petrobras e do Ibama, apontando a existência de um processo sigiloso e paralelo de licenciamento. “Nem o Ministério Público Federal, nem as comunidades tradicionais, nem ninguém sabia. A gente só descobriu quando saiu a licença”, disse à Agência Brasil.
MPF quer suspender atos e obrigar consulta a comunidades
O MPF pede que a União e o Ibama sejam proibidos de emitir novos atos administrativos ligados ao projeto até que haja consulta formal aos grupos tradicionais. As ações pedem ainda que União, Ibama, Funai e Incra apresentem, em até 60 dias, um plano de reuniões sob coordenação da Casa Civil, garantindo a participação direta dessas comunidades na formulação do processo.
Além disso, o MPF solicita que Petrobras, Ibama e União sejam condenados a pagar R$ 5 milhões por danos morais coletivos pela falta da consulta prévia e que seja elaborado um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) complementar, incluindo potenciais danos sociais, culturais e ambientais.
Schneider afirmou que as etapas anteriores do projeto já geraram impactos perceptíveis, como mudanças em rotas de peixes e aumento expressivo de embarcações, afetando o que chamou de “maretório” — conceito que representa não apenas o território físico, mas todo o ambiente marinho usado para subsistência, cultura e relações sociais das comunidades tradicionais.
Petrobras nega irregularidades e defende legalidade do processo
Em nota, a Petrobras disse que tem colaborado com informações sempre que solicitado por autoridades e reforçou que a licença foi obtida após atender “todas as exigências do Ibama e da legislação ambiental vigente”. A companhia destacou que suas operações offshore seguem “as melhores práticas ambientais e de segurança” e que a Etapa 4 integra o Plano de Negócios 2026–2030, que prevê investimentos (Capex) de US$ 109 bilhões no período.
A estatal afirmou ainda que o projeto é essencial para a segurança energética do país e que pretende alcançar pico de 2,7 milhões de barris/dia em 2028 e 3,4 milhões de barris equivalentes/dia em 2028 e 2029, conciliando expansão com “resiliência econômica e ambiental”.
Contexto ampliado
O embate reacende o debate sobre o equilíbrio entre política energética e proteção socioambiental. Projetos do pré-sal costumam envolver disputas entre órgãos de controle, comunidades afetadas e a Petrobras, principalmente sobre licenciamento, impacto em áreas sensíveis e cumprimento da Convenção 169. A decisão judicial sobre as ações pode afetar o cronograma da Etapa 4 e influenciar futuros licenciamentos de grande porte no país.

