A Câmara dos Deputados concluiu a votação do segundo e último projeto de regulamentação da reforma tributária, fechando um dos capítulos mais sensíveis da reorganização do sistema de impostos no Brasil. O texto, agora, segue para sanção presidencial e trata de pontos centrais como a gestão do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o funcionamento do Comitê Gestor, além das novas regras para ITCMD, ITBI, sistema financeiro e setores específicos da economia.
Na prática, o Congresso entrega ao Executivo um modelo mais racional no papel, mas ainda cercado de riscos na execução. Simplifica, sim. Resolve tudo, não.
IBS nasce com promessa de simplicidade
O IBS substitui dois velhos conhecidos do contribuinte: o ICMS, dos estados, e o ISS, dos municípios. A proposta é concentrar arrecadação, fiscalização e distribuição em um único órgão, o Comitê Gestor do IBS (CG-IBS), formado por representantes da União, estados e municípios.
Entre suas atribuições estão arrecadar, fiscalizar, definir metodologia de alíquotas e repartir recursos. Em tese, uma empresa poderá ser fiscalizada por um único auditor em todo o território nacional. Em um país acostumado ao manicômio tributário, isso soa quase revolucionário.
Transição longa e custosa
A promessa de simplificação vem acompanhada de um longo período de transição. De 2027 a 2033, as alíquotas de ICMS e ISS serão reduzidas gradualmente até praticamente zerarem. Até lá, o sistema conviverá com impostos antigos e novos, cenário que exige atenção redobrada de empresas e contadores.
Para viabilizar o início do CG-IBS, a União bancará até R$ 3,8 bilhões entre 2025 e 2028. A partir de 2029, o comitê terá de devolver esse valor com recursos do próprio imposto. Ou seja, o contribuinte paga agora e paga depois. Só muda o rótulo.
Split payment: avanço técnico real
Um dos pontos mais positivos do texto é o split payment, sistema que registra automaticamente compras e vendas, recolhendo o imposto no momento da transação. A lógica é semelhante à declaração pré-preenchida do Imposto de Renda.
Se funcionar como prometido, reduz sonegação, litígios e erros operacionais. O desafio será integrar milhões de empresas, sistemas bancários e plataformas digitais sem transformar a inovação em dor de cabeça coletiva.
Medicamentos: lista flexível evita judicialização
A isenção de IBS e CBS para medicamentos deixou de ser uma lista engessada em lei. Agora, a cada 120 dias, o Comitê Gestor e o Ministério da Fazenda, com consulta ao Ministério da Saúde, publicarão os remédios com alíquota zero.
Entram no benefício tratamentos para câncer, diabetes, HIV, doenças raras, além do Farmácia Popular. Permanecem isentos medicamentos do SUS, soros e vacinas. Aqui, o Congresso acertou ao trocar rigidez por atualização constante.
Futebol, bebidas e plataformas digitais
As SAFs escaparam do aumento de carga tributária e seguem pagando 3%, não os 8,5% previstos anteriormente. Já bebidas açucaradas não terão teto para o Imposto Seletivo, enquanto bebidas vegetais ganharam redução de 60%.
As plataformas digitais passaram a responder solidariamente se o vendedor não emitir nota fiscal. Um recado claro aos marketplaces: ou organizam a casa, ou dividem a conta com o Fisco.
PCD e veículos: benefício ampliado
Pessoas com deficiência tiveram avanço concreto. O valor máximo do veículo com benefício fiscal sobe de R$ 70 mil para R$ 100 mil, e o prazo de troca cai de quatro para três anos. É uma medida que dialoga com inclusão, não com privilégio.
ITCMD e ITBI: herança mais cara à vista
O ITCMD, imposto sobre heranças e doações, passa a ter alíquotas progressivas, conforme o valor do bem. Estados poderão definir percentuais, mas haverá teto nacional fixado pelo Senado. A base de cálculo será o valor de mercado, o que deve aumentar a arrecadação — e a resistência dos contribuintes mais ricos.
Já o ITBI, cobrado na venda de imóveis, terá como base o valor venal, e municípios poderão oferecer desconto se o pagamento for antecipado. Menos espaço para subavaliação “criativa”.
Sistema financeiro paga mais
Bancos e instituições financeiras enfrentarão aumento gradual da carga tributária, chegando a 12,5% em 2033. Durante a transição, haverá redutores temporários para evitar cobrança dupla. Programas de fidelidade, como milhas aéreas, entram no mesmo regime. Nada de voo livre para o setor.
O que vem agora
Com a votação encerrada, o texto segue para sanção presidencial. A reforma tributária deixa de ser promessa e entra na fase mais perigosa: a da implementação.
O Congresso fez sua parte no papel. Agora, caberá ao Executivo provar que simplificar impostos no Brasil não é apenas um slogan elegante — é uma necessidade histórica que não comporta mais improviso.

