Nesta terça-feira (10), Alcoólicos Anônimos (AA) comemora 90 anos de fundação, um marco na história da recuperação da dependência de álcool. No Brasil, histórias como a da pernambucana I.F., 42 anos, são um testemunho vivo do impacto da irmandade. Há cinco anos, I.F. encontrou no AA o caminho para dar um basta na dor que a atormentava.
Em 2020, em meio à pandemia e a problemas pessoais, I.F. se viu dependente do álcool. “Naquele dia, acordei e comecei a beber pela manhã. Eu estava passando por muitos problemas”, ela relembra. Ao se deparar com uma reportagem sobre o AA, sentiu uma identificação imediata e buscou ajuda.
Hoje, I.F. afirma que a participação nas reuniões do grupo, sejam as femininas ou as mistas, mudou o rumo de sua vida. “Sirvo a mulheres que estão em situações de vulnerabilidade como eu estava”, conta. Ela espera que sua história inspire outros a procurar ajuda. “Peguei o número, mandei uma mensagem e me enviaram o link de uma reunião virtual. Entrei numa reunião só com mulheres. Ouvi-las falar sobre aquelas questões, sem dúvida, foi o ponto-chave para eu ficar e querer essa recuperação dentro do Alcoólicos Anônimos.”
O Impacto das Reuniões Virtuais e o Olhar para as Mulheres
Segundo o AA, o número de reuniões de composição feminina cresceu 44,7% no pós-pandemia, totalizando cerca de 65 encontros (presenciais e online) com participantes de todo o país. A Irmandade do AA, criada nos Estados Unidos em 1935, baseia-se na partilha de experiências sem custos para os participantes.
Lívia Pires Guimarães, psicóloga e presidente da Junta de Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos do Brasil (JUNAAB), destaca a invisibilidade do alcoolismo feminino. “Quando é uma mulher, esse estigma aumenta e é carregado de adjetivos pejorativos. O ambiente em que a mulher costuma beber frequentemente é sua casa. Então, fica invisibilizado”, avalia.
Contudo, a pandemia e a popularização das reuniões virtuais abriram portas para que mais mulheres buscassem o AA. “A partir do contato online, começaram a ir para o presencial também, ou permanecer nos dois. E aí o movimento começou a aumentar”, explica Lívia. A possibilidade de encontros virtuais, algo já planejado antes da pandemia, foi crucial para ampliar o alcance do serviço, mantendo o anonimato, um dos pilares do grupo. Todas as ações do AA são organizadas e realizadas pelos próprios membros, reforça Lívia.
Histórias de Recomeço e Sobriedade
O AA coleciona inúmeras histórias de superação. R.S., 61 anos, do Piauí, está há mais de 33 anos em abstinência. Sua jornada começou em 1992, após uma vida de dependência que teve início aos seis anos, influenciado pelo pai, que também era dependente. “No meu primeiro emprego, o primeiro salário gastei todinho com bebida. Eu vivia dependendo de parentes, de irmãos, para me ajudar”, recorda. Aos 28 anos, uma crise de abstinência o levou a buscar ajuda, iniciando sua recuperação em 22 de abril de 1992, data que nunca esqueceu. Desde então, R.S. constituiu família, teve um filho, fez faculdade e até pós-graduação.
Outro membro, Natali, 67 anos, de São Paulo, descobriu a bebida cedo, aos 13 anos, após a perda do pai e o início do trabalho em uma metalúrgica. Aos 18, o problema já era sério, agravando-se com a morte de sua noiva aos 21. Em 1999, ele procurou o AA. “Muda tudo depois que você conhece o caminho da sobriedade, evitando o primeiro gole. Você se descobre capaz de ser aquela pessoa que você sabe que é, mas o álcool não deixava”, relata Natali sobre a transformação que a sobriedade trouxe para sua vida.