O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indeferiu o pedido de licença prévia (LP) para a Usina Termelétrica Brasília. O empreendimento da empresa Termo Norte Energia seria instalado em Samambaia, região administrativa do Distrito Federal. A análise, porém, identificou riscos ambientais e sociais graves para a região.
A decisão põe fim, ao menos por enquanto, a um projeto polêmico. Afinal, ele ameaçava 560 estudantes de uma escola pública e o que resta do Cerrado na área. Além disso, comprometeria ainda mais a qualidade da água de um rio já poluído.
Escola pública na linha de fogo
O parecer técnico do Ibama foi taxativo. A localização proposta para a UTE Brasília, em área da Fazenda Guariroba, teria impacto direto e irreversível sobre a Escola Classe Guariroba. Trata-se de uma instituição pública que atende cerca de 560 estudantes.
Caso a escola fosse removida, haveria prejuízos pedagógicos, sociais e culturais. Para o Ibama, isso contraria o interesse público e o direito fundamental à educação. Ou seja, não dá para demolir uma escola para erguer uma usina.
Cerrado, água e ar na conta
O parecer técnico também apontou pressões sobre a fauna do Cerrado. Além disso, identificou riscos para áreas de pouso e conectividade de espécies migratórias. O Rio Melchior foi outro ponto crítico. Classificado como corpo hídrico de Classe 4, ele já está comprometido por elevadas cargas de efluentes e baixa qualidade da água.
A usina também tem pendências de regularização para uso de recursos hídricos. A autorização, aliás, foi suspensa pela Justiça. Além disso, o empreendimento não possui a Certidão de Uso e Ocupação do Solo, em desacordo com a Resolução nº 237/1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Segundo o Instituto Internacional Arayara, organização da sociedade civil sem fins lucrativos, a UTE Brasília suprimiria mais de 31,91 hectares de vegetação nativa do Cerrado. Além disso, captaria 110 metros cúbicos por hora (m³/h) de água bruta e lançaria 104 m³/h de efluentes no Rio Melchior.
A conta da poluição
O direito à saúde e à qualidade do ar também seria comprometido. A usina geraria cerca de 4,7 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO₂) equivalente.
Poluição atmosférica e doenças respiratórias já são questões problemáticas na capital federal. Consequentemente, a instalação da termelétrica tenderia a piorar ainda mais esse cenário.
A força da mobilização popular
A decisão do Ibama foi comemorada por ambientalistas. Para o gerente de Transição Energética da Arayara, John Wurdig, a mobilização popular foi fundamental para o indeferimento da licença.
“O Ibama tomou esta decisão técnica graças à pressão das comunidades de Ceilândia, Samambaia e Sol Nascente”, afirma Wurdig. Segundo ele, ao longo de 11 meses, mais de 100 eventos foram realizados. Dessa forma, milhares de pessoas de todas as unidades administrativas foram mobilizadas.
“Foi a maior mobilização comunitária do Distrito Federal contra um empreendimento fóssil”, destaca.
Wurdig explica que a UTE Brasília participaria do Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP), previsto pelo Ministério de Minas e Energia para 2026. Entretanto, sem a licença prévia ambiental, não há possibilidade de participação na concorrência.
Efeito dominó: outras três termelétricas também caem
A decisão do Ibama também inviabilizaria outras três termelétricas: UTE Bonfinópolis, UTE Centro-Oeste e UTE Brasil Central. As quatro usinas estão vinculadas ao Gasoduto Brasil Central (TGBC), com mais de 900 quilômetros de extensão. O projeto foi desenvolvido para conectar São Carlos (SP) a Brasília.
No parecer que indeferiu a licença prévia da UTE Brasília, o Ibama reconhece que o licenciamento do gasoduto está vencido há mais de seis anos.
As termelétricas somam mais de 12 milhões de toneladas de CO₂ equivalente. Portanto, representariam risco de contaminação e acidificação (chuvas ácidas) do Cerrado e das comunidades próximas. Além disso, contribuiriam para a piora da qualidade do ar.
Racismo ambiental na pauta
“Instalar uma termelétrica às margens de um rio degradado, demolindo uma escola pública para a queima de gás, é um retrato claro de racismo institucionalizado”, diz o diretor técnico do Instituto Arayara, Juliano Bueno, membro do Conama.
Para ele, o projeto geraria uma energia cara para os consumidores. “Seguiremos nos mobilizando contra retrocessos em nome de uma falsa modernização energética”, afirma.
A empresa avalia recurso
Em nota, a empresa Termo Norte Energia se manifestou sobre o indeferimento da licença ambiental pelo Ibama.
“A UTE Brasília informa que recebeu o parecer técnico emitido pela Diretoria de Licenciamento Ambiental (Dilic) do Ibama e está avaliando detalhadamente seu conteúdo”, diz o comunicado. Segundo a empresa, ela analisa os fundamentos apresentados pelo órgão.
A partir desta análise, a companhia teria a intenção de definir as medidas cabíveis dentro do prazo legal. Caso necessário, apresentaria recurso conforme previsto na legislação vigente.
“A empresa reafirma seu compromisso com a transparência, o diálogo institucional e o cumprimento da legislação ambiental brasileira”, conclui a nota.
Entenda os impactos
Ambientais:
- 31,91 hectares de Cerrado suprimidos
- 110 m³/h de água bruta captada
- 104 m³/h de efluentes no Rio Melchior (já poluído)
- 4,7 milhões de toneladas de CO₂ por ano
Sociais:
- 560 estudantes afetados pela remoção da escola
- Piora na qualidade do ar (doenças respiratórias)
- Impacto em comunidades de Samambaia, Ceilândia e Sol Nascente
Efeito cascata:
- 4 termelétricas inviabilizadas
- 12 milhões de toneladas de CO₂ ao todo
- Gasoduto com licenciamento vencido há 6 anos

