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sábado, 6 dezembro 2025, 01:25:38
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Vila da Barca: A COP30 está a 5km, mas a crise climática mora aqui

Publicado em:

Repórter: Paulo Andrade

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Cleonice Vera Cruz tem 77 anos e quase seis décadas de Vila da Barca nas costas. Quando o vento sopra forte, sua casa balança. “Se alguém passa do lado, a gente sente tudo tremer”, conta ela.

Não é paranoia. Na madrugada de sexta-feira passada (14), uma casa desabou na vila. Quatro pessoas escaparam por pouco — ouviram a madeira estalar e correram. Entre elas, uma criança e uma pessoa com deficiência. Os vizinhos também tiveram que sair de casa. As estruturas estavam comprometidas.

Isso aconteceu no mesmo dia em que a COP30 completava sua primeira semana discutindo o futuro do planeta. A distância? Menos de cinco quilômetros.

O contraste que ninguém quer ver

A Vila da Barca fica às margens da baía do Guajará, no coração de Belém. É uma das maiores comunidades de palafitas da América Latina — cerca de 600 moradias de madeira sobre estacas, mais de mil famílias. O bairro existe há mais de um século, ocupado por ribeirinhos desde o início do século passado.

Do outro lado, a poucos metros, estão os prédios luxuosos da região das Docas. O principal cartão-postal da cidade recebeu milhões em investimentos para a COP30. Ficou bonito, como disse Bebel, uma das moradoras. Mas o contraste dói.

“A gente precisa defender o meio ambiente, mas está se falando bem pouco sobre quem mora debaixo da copa das árvores”, diz Gerson Siqueira, presidente da Associação de Moradores. “Somos milhares de brasileiros na Amazônia sem saneamento básico, sem água tratada de verdade.”

Quando a crise climática tem cor

Um estudo da ONG Habitat para a Humanidade Brasil jogou luz num dado incômodo: 66,58% das pessoas que vivem em áreas de risco no Brasil são negras. O levantamento cruzou dados de 129 cidades brasileiras.

Mais de um terço dessas casas (37,37%) tem mulheres como chefes de família. A renda média? R$ 2.127 — quase metade da renda geral das cidades analisadas. Um em cada cinco domicílios não tem esgoto. Isso tem nome: racismo ambiental.

“A maioria das pessoas em área de risco é negra, de baixíssima renda, mulheres chefes de família, muitas sem saber ler nem escrever”, resume Raquel Ludermir, da Habitat Brasil.

Bebel e os R$ 50 da faxina

Maria Isabel Cunha — a Bebel — encarna perfeitamente essas estatísticas. Mãe solo de dois meninos, um deles com deficiência, ela está desempregada. Sobrevive com a pensão do filho PCD e alguns trabalhos de faxina. Quando consegue, ganha até R$ 50 por dia.

“O dinheiro não dá nem para arrumar a casa”, ela desabafa. Quando choveu forte outro dia, molhou tudo dentro. As tábuas têm frestas que não seguram a água. “Eu ainda estava enxugando tudo.”

Bebel gosta da vila. Destaca o espírito de comunidade. Mas sente falta de serviços públicos — um clube, uma escola que possa ajudar no cuidado com o filho. “Seria bom ter um emprego fixo. Mandei currículo para hotel, mas não deu certo. Preciso de tempo para o meu filho.”

A COP30 está ali do lado, mas poucos na vila sabem exatamente o que se discute no Parque da Cidade. Cleonice acompanha pela TV e se surpreendeu: “Não sabia que tinha tantos indígenas assim.”

O que está sendo feito (e o que falta)

Tem avanço, sim. A empresa Águas do Pará começou em julho obras de R$ 15 milhões para levar água tratada e esgoto para a região. Cada casa de palafita agora tem hidrômetro individual. A conta será de R$ 66,42 — tarifa social, ainda não cobrada. A rede de esgoto deve ficar pronta até abril.

Mas Gerson Siqueira vai direto ao ponto: “Até quando o Estado brasileiro vai permitir que essas famílias vivam assim? A gente precisa de conjunto habitacional com moradia digna, com infraestrutura de verdade.”

A Vila da Barca, aliás, não é só drama. Tem festa junina tradicional, blocos de carnaval, recebe a imagem de Nossa Senhora de Nazaré no Círio. Tem vida, cultura, comunidade. O que falta é dignidade estrutural.

A COP30 está perdendo o ponto?

Aqui está o dado que deveria estar em todas as mesas de negociação: apenas 8% das metas climáticas dos países (as NDCs) tratam de questões urbanas, favelas e comunidades. É como se casas destruídas por desastres climáticos não fizessem parte da emergência.

Entre 2013 e 2022, o Brasil teve 2,1 milhões de casas danificadas e 107 mil destruídas por eventos climáticos extremos.

“Muitas políticas de adaptação climática têm justificado a remoção de comunidades inteiras. Isso não é justo”, alerta Raquel Ludermir. “A gente defende a permanência dessas pessoas, mas com segurança, habitabilidade, resiliência.”

A pergunta que a COP30 precisa responder

Gerson resume tudo numa provocação simples: “Lá na Blue Zone falam de financiamento, de transição energética. Mas e a moradia? A questão ambiental não passa por moradia digna?”

A Vila da Barca está a cinco quilômetros da COP30. Mas parece estar em outro planeta. Enquanto líderes mundiais debatem o futuro do clima, Cleonice torce para que o vento não sopre forte demais. E Bebel enxuga a casa depois da chuva.

A crise climática não é só sobre carbono e temperatura. É sobre quem balança quando o vento vem. É sobre quem fica embaixo quando a casa cai.

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